quarta-feira, 4 de abril de 2007

Cena 11 (3a. parte)

Terceira Parte

Na qual se trama o assassinato


A TRAMA

No camarim de AMADA AMANDA.

(LOLOGIGO VALADÃO está tirando roupas de um armário e pondo em uma mala. Entra AMADA.)

AMADA – Pero... que haces, mi vida?

LOLOGIGO – Não tá vendo, pô?

AMADA – Si, mi amorcito, pero...

LOLOGIGO – Eu vou me mandar, vou m’imbora, vou à vida, sacô?

AMADA – Si, pero...

LOLOGIGO – Olha bem pra minha cara, malandro. Vê se eu tenho cara de quem se passa pra ovelhinha, Bé... Ah, não, na minha sombra é que ninguém vai mais fazer piquenique. Comigo não.

AMADA – Claro, claro, mi vida, tienes toda la razón... Pero irse así... Adonde iremos?

LOLOGIGO – Iremos?! Iremos o’scambau. EU vou me mandar. Agora, tu... Tu é que sabe lá da tua vida. E já vou te avisando de uma coisa? Eu não quero ninguém no meu pé não, falei?

AMADA – Em tu pie?!

LOLOGIGO – É

AMADA – Yo no estoy comprendendo...

LOLOGIGO – E pára de falar essa língua maldita...

AMADA – Lolô!...

LOLOGIGO – ...que eu já te falei pra tu parar com essa embromação quando a gente está sozinho, pô, que me enche o saco...

AMADA – Quê?!

LOLOGIGO – Ainda se soubesse falar direito.

AMADA – Mas tu quer me explicar de uma vez por todas o que é que está acontecendo?

LOLOGIGO – Nada. Não tá acontecendo nada. Só que eu vou m’imbora. Sozinho, tá me entendendo? So-zi-nho.

AMADA – Mas… Mas tu não tem um pingo de vergonha nessa cara mesmo, heim?...

LOLOGIGO – E vê se não me enche o saco.

AMADA – Há muito tempo que eu já to sabendo que isso ia acontecer um dia. Porque tu... Tu nunca passou é dum bom filho da puta.

LOLOGIGO – Que é!?

AMADA – Filho da puta mesmo.

LOLOGIGO(Torcendo o braço dela) Olha aqui, ô. Tu vê bem como fala. Tu dobra essa língua que eu não sou homem de levar nome não, falei? Muito menos de vadia, ta me entendendo?

AMADA – Vadia não... ai, me larga...

LOLOGIGO(Torcendo o braço dela) Tu vê bem como fala comigo...

AMADA(Com força) Vadia não (E livra-se dele) que não foi vadiando que tu me conheceu, ouviu? Seu covarde.

LOLOGIGO – E chega de papo.

AMADA – Foi dando um duro muito honesto, tá me entendendo?

LOLOGIGO – Qui duro honesto aonde? Desde quando corista de rebolado da última fila dá duro honesto?

AMADA – Última fila?!

LOLOGIGO – ...Vai querer dizer pra mim?

AMADA – E não preciso te dizer nada mesmo porque tu sabe muito bem que era... Na Argentina inteira todo mundo já sabia quem era Amada Amanda.

LOLOGIGO – Sei...

AMADA – Sabe mesmo. E se não fosse tu aparecer pra estragar toda a minha vida, hoje em dia eu já era a vedete principal do maior rebolado argentino...

LOLOGIGO – Ah, é? Então porque é que tu não ficou lá?

AMADA – Porque tu não quis, já se esqueceu? Já se esqueceu das promessas?

LOLOGIGO – Tu devia ter ficado lá, dando mais que xuxu na serra pra subir de vida, que é essa que é a tua mesmo.

AMADA – Dando não senhor; trabalhando, que eu não sou que nem tu...

LOLOGIGO – Tu pensa que me engana...

AMADA – Tu é que não me engana: Tu pensa que eu não sei que tu vivia às custas daquela granfina?

LOLOGIGO – Que granfina?

AMADA – Que granfina. Olha só o outro...Aquela mulher que te dava de comer, de beber, de vestir... E como se não bastasse, tu ainda perdia o dinheiro dela na roleta, vai querer me dizer que não...

LOLOGIGO – Não quero saber de papo.

AMADA – Ah, é!?

LOLOGIGO – E olha, tu quer saber o que mais? É isso mesmo. E tu quer saber mais ainda? Vida era aquela e não isto daqui.

AMADA – Então.

LOLOGIGO – Eu acho que tava de miolo mole quando fui largar a coroa pra ficar contigo.

AMADA – Largar?!

LOLOGIGO – Tava com merda na cabeça...

AMADA – E quem é que não sabe que foi ela que te deu o fora...

LOLOGIGO – O fora em mim?!

AMADA – Claro, tu pensa que alguém é cego?

LOLOGIGO(Grosso) Em mim não.

AMADA – Tu pensa que todo mundo não viu logo que tu não era homem de largar uma mamata daquela nem pela tua mãe?

LOLOGIGO – E não sou mesmo, fique você sabendo. E é pra isso mesmo que eu tô me mandando: pra ver se encontro outra daquela... (E arruma a mala depressa).

(LOLOGIGO arruma a mala. AMADA observa, aflita.)

(Tempo)

AMADA – Então pra que tu veio com toda aquela embromação pra cima de mim?

LOLOGIGO(Arruma a mala).

AMADA – E me falando de amor, e de paixão arrasadora...

LOLOGIGO(Frio) Cascata pura.

AMADA – E que eu era artista pra teatro sério e não pra ficar mostrando o corpo...

LOLOGIGO(Frio) Pra fingir que eu tinha ciúmes.

AMADA – Fingir?!

LOLOGIGO – Fingir sim, porra, fingir. Tu acha que eu ia ter ciúmes de uma pistoleira que nem tu?

AMADA(Histérica) Mas porque? Quem foi que te pediu pra dizer isso tudo? Até em casamento tu me falou...

LOLOGIGO – Chega de papo...

AMADA – ...Pra quê? Eu nunca fui te pedir nada...

LOLOGIGO – Chega de papo já disse. Eu vou m’imbora e pronto, e não se fala mais nisso.

AMADA – Eu tava bem quieta no meu canto, vivendo a minha vida. Pra que é que tu veio com essa história toda? Por que não me deixou lá onde eu tava?

LOLOGIGO – Pois tu quer mesmo saber?

AMADA(gritando) Quero.

LOLOGIGO – Porque eu pensei que ficando contigo eu ia me dar bem, tá me entendendo? Que tu sendo assim...toda gostosona, né? Que tu não ia ter dificuldade pra subir nesse negócio de teatro, né? Que tu ia logo ser a estrela. E daí ia aparecer um otário aí cheio da grana e ia e embeiçar por ti, e daí a gente arrancava dele uma Companhia... Mas uma Companhia nossa mesmo, sabe como é?

AMADA(Atônita) Sei...

LOLOGIGO – E daí pro cinema e pra televisão eu pensei que era um pulo...

AMADA(Atônita) Sei...

LOLOGIGO – E grana, malandro, mas grana alta mesmo é lá que tá, e não aqui num showzinho fulero destes, ta me entendendo?

AMADA(Atônita) Sei...

LOLOGIGO – Porque o meu negócio é grana, tá sabendo? Mas grana muita. Muita. – E agora eu me toquei. Eu me toquei que tu não é nada. Demorou, mas eu saquei que contigo, malandro, contigo eu nunca vou sair da merda.

AMADA – Eu sabia...

LOLOGIGO – É isso aí.

AMADA – Eu sabia...

LOLOGIGO – Falei e disse. (E dá por encerrada a arrumação da mala)

AMADA(Num berro) Fora daqui.

LOLOGIGO(Fechando a tampa da mala) Só se for agora.

AMADA(Fora de si) Rua, seu cafageste.

LOLOGIGO(Fecha o trinco da mala.)

AMADA(Fora de si) Cafetão. É o que tu é. Um cafetão barato.

LOLOGIGO(Dirige-se rápido para a porta.)

AMADA – Nãããããããããoooooo... (E agarra-se nele, chorando.)

LOLOGIGO – Me larga.

AMADA(Agarrada nele) Não. Não va’imbora. Não me deixa pelo amor de Deus. Ai. Não me deixa pelo amor de Deus...

(AMADA chora. LOLOGIGO imóvel.)

(Tempo)

LOLOGIGO(Seco) Eu vou cuidar da minha vida. Tá decidido.

AMADA – Ai... (E chora.)

LOLOGIGO(Imóvel, com a mala na mão.)

AMADA(Se ajoelhando, agarrada a ele) Eu te amo tanto...Tanto...

LOLOGIGO(Imóvel, com a mala na mão.)

AMADA – O que é que eu vou fazer da minha vida se você for s’imbora?

LOLOGIGO(Imóvel, com a mala na mão.)

AMADA – Fica... Fica aqui comigo...

(Tempo. AMADA chora. Tempo. AMADA tenta se recompor.)

AMADA – Tu fica, não é?

LOLOGIGO(Imóvel, com a mala na mão.)

AMADA(De repente, numa animação forçada) Olha...Vamos sentar ali e conversar. A gente resolve. Vai dar tudo certo. Tu vai ver.

LOLOGIGO – (Imóvel, com a mala na mão.)

AMADA – Vem.

LOLOGIGO(Imóvel, com a mala na mão.)

AMADA(Animada) Me dá’qui a mala.

LOLOGIGO – Não.

AMADA(Com cautela) Só queria pôr ali enquanto a gente conversa...

LOLOGIGO(Imóvel, com a mala na mão.)

(Tempo)

AMADA – É claro que eu também... Eu também acho que a gente precisava melhorar de vida... Porque isto daqui...

LOLOGIGO – (imóvel com a mala na mão)

AMADA – O negócio é que a gente precisava mudar de Companhia... (Olha para ele) Quer dizer, eu sei... Eu tô sabendo que pra ganhar bem numa Companhia aí fora, a gente precisa ter nome e eu... né?

LOLOGIGO(Imóvel, com a mala na mão.)

AMADA – Mas a gente tem que dar um jeito... A gente vai dar um jeito, tu vai ver. Eu tenho certeza que as coisas vão melhorar... (Puxa-o cautelosamente para a cama) é só a gente sentar ali e planejar... Eu bem que tenho me esforçado, mas aquela mulher... Ela não dá chance pra ninguém. É só ela, só ela. Só ela pode aparecer. Eu até queria mudar o meu número de apresentação. Eu quis falar com ela, você viu, né? Eu queria fazer aquele número das bolas-de-gás, que eu fazia lá, lembra? Ia ser um número ótimo. Logo na minha apresentação. Ia me marcar bem no show... Mas tu pensa que ela deixa?

LOLOGIGO(Tranqüilo) Tem que tirar ela da jogada.

AMADA – É. Tinha que tirar. Mas como? A Companhia é dela...

LOLOGIGO – O homem dela é um zero à esquerda. Fácil engambelar ele.

AMADA – Aquele lá... Com qualquer meio litro de cachaça...

LOLOGIGO – Com ela fora da jogada a Companhia é nossa, a gente faz o que quiser com ela.

AMADA – Nossa?

LOLOGIGO – Não é nenhuma maravilha, mas tem os cenários, as roupas... A gente pode bolar um espetáculo...

AMADA – Sim. Mas isso se ela deixasse.

LOLOGIGO – É por isso que eu disse que tem que tirar ela da jogada.

AMADA – Mas como?

LOLOGIGO – Botando ela pra escanteio.

AMADA – Como assim?

LOLOGIGO – Riscando do mapa... Apagando.

AMADA – Sei. Mas como é que se apaga uma pessoa?

LOLOGIGO(Com intenção) Como é que se apaga uma pessoa?

AMADA(Compreende).

LOLOGIGO – Falei?

AMADA – Não. Mas isso não.

LOLOGIGO – Por que não?

AMADA – Eu não tenho coragem.

LOLOGIGO – Coragem?

AMADA – E além do mais, isso é perigoso.

LOLOGIGO – Por quê?

AMADA – A gente ia acabar na cadeia pro resto da vida e daí nem Companhia nem...

LOLOGIGO – Só se a gente fosse muito idiota.

AMADA – Como assim?

LOLOGIGO – Como assim?

AMADA – Não... Não, pelo amor de Deus, eu nunca ia fazer uma coisa dessas...

LOLOGIGO – Você não.

AMADA – Eu não... EU nunca...

LOLOGIGO – O filho dela.

(Tempo)

AMADA – Campônio.

LOLOGIGO – Campônio.

(Tempo)

AMADA – A própria mãe?

LOLOGIGO – Se você pedir.

AMADA – Eu?!

LOLOGIGO – Ele faz qualquer coisa que você pedir. Já percebeu?

AMADA – Acho que já.

LOLOGIGO – Então.

AMADA – Mas isso?

LOLOGIGO – Qualquer coisa. Tô te falando. Eu saco ele. Experimenta. Pede qualquer bobagem pra ele, só pra experimentar.

AMADA – O quê, por exemplo?

LOLOGIGO – O quê?... (procura) Um ramo de flores.

Nenhum comentário: