quarta-feira, 4 de abril de 2007

Cena 2

(Prólogo) - ABERTURA PROPRIAMENTE DITA

Na frente da cortina

1ª Fase – Aproveitando a Brecha do Número Um

(BRILHANTINA vem para o palco, afasta um pouco a cortina e olha para os bastidores, onde a confusão está armada. Depois se dirige ao público um pouco sem graça, um pouco contente, com a oportunidade.)

BRILHANTINA – Bom... quer dizer: eu acho que só sobrou eu mesmo, né? (ri e olha para os lados, meio travesso). Então. Quer dizer que eu acho que quem vai ter que apresentar hoje sou eu mesmo, né? (ri) (Barulho mais forte, dentro. Susto. Depois:) Olha, e não liga pra isso daí não, viu? Porque isso daí, olha: é todo dia assim, pensa que é só hoje? Qui... aqui ninguém mais dá nem a mínima (ri) Quer dizer, a gente só não deixa se matar, né? Que também não é pra tanto. Mas, como se diz: em briga de marido e mulher... (ri malicioso) quer dizer: ainda se fosse marido e mulher, né? Marido e mulher ali no duro (ri).

(O barulho, dentro, arrefeceu)

BRILHANTINA – (procurando o lugar no palco) Agora é só chegar aqui... Chegar aqui assim, ó: (imita CANASTRA na sua entrada pelo meio da cortina). Ó: (imita de novo) É igualzinho, é ou não é? Então. Quer dizer: falta a fantasia, né? Mas a pança é igualzinha, olha aí: (imita). Eles pensam que eu não sei, viu? Eles pensam que artista aqui é só eles. Mas eu já até disse aí pra eles: qualquer p’oblema pode me botar no show, é ou não é? Quer dizer: o escripi tá todo aqui, ó: (mostra a língua) na pontinha. Também, se não tivesse, né? Quer dizer: só se eu fosse muito burro: toda noite, toda santa noite ouvindo a mesma coisa... Então. É só chegar aqui... (vai para o meio da cortina). É muito fácil, eu já quis até mostrar pra eles, mas pensa que alguém quer saber de me dar uma chance? Qui... Quer dizer: é só chegar aqui (sai de detrás da cortina, imitando CANASTRA): Senhoras e senhores, rapazes e senhoritas, BOA NOITE... É com a máxima satisfação que eu estou aqui para apresentar ao distinto público que esta noite compareceu ao Teatro... (ênfase) o elenco da COMPANHIA MAMBEMBE DE VARIEDADES...

(A música ataca. A cortina abre. O ELENCO entra. BRILHANTINA leva um choque e fica aparvalhado no meio da cena. Depois corre – ou é empurrado – para o seu lugar no spot-móvel.)


2ª Fase – Os Artistas

Telão Fantasia


COMPANHIA –
Senhoras e senhores,
Rapazes e senhoritas,
Crianças...
É com satisfação
Que a nossa Companhia
Pede sua alegria
Pede sua atenção...

CANASTRA – (fala sobre marcação)
...Para o grande espetáculo
Que hoje vai apresentar
Que preparou com carinho,
Pensando em lhe agradar.

COMPANHIA – (canta)
Senhores vão ver hoje, aqui,
Um velho drama, eterno,
Drama que comove sempre,
Chama "Coração Materno".

CANASTRA – (fala sobre marcação)
Mas, sem demoras maiores,
Vamos logo ao que interessa:
Apresentar pros senhores
Os artistas desta peça.

(MÚSICA)
(ainda sobre marcação)

E em primeiro lugar
Quero lhe apresentar
Aquela que, como não?
Dispensa apresentação...
Uma das mais conhecidas
Das artistas mais queridas
Do Teatro nacional
(ênfase)
Nossa estrela principal:
(Com grande ênfase, diz o nome da atriz que viverá o papel de MÃEZINHA)

(MÃEZINHA entra – no seu soirée rosa-forte em renda toda rebordada em miçangas e canutilhos, principalmente nos babados – numa atitude de aplaudam-por-favor- eu-não-mereço. CANASTRA puxa os aplausos)

MÃEZINHA – (sobre os aplausos. Mas se não houver aplausos sobre o lugar dos aplausos, o que é melhor ainda)
Agradecida, agradecida,
Agradecida a vocês!
Meu público!
(canta)
Oh! Que bom que é de ver
Que vocês aqui estão:
Largar a televisão,
O rush ter que vencer
Estacionar contra-mão
Enfrentar fila e empurrão
Isso tudo pra me ver...

CANASTRA – (sobre marcação)
Pois não se arrependerão:
O gran’ papel de Mãezinha,
Que até hoje não tinha
Sua justa interpretação,
Será por ela vivido,
Mas, com tanto colorido
Que jamais o esquecerão.

MÃEZINHA – (canta)
Oh, meu público querido,
Saiba que só seu carinho
Paga pro artista, sozinho,
Seu trabalho dolorido.
Hoje, aqui, tamos lançando
No cenário nacional
(ênfase)
Uma ingênua sem igual:
(Com grande ênfase diz o nome da atriz que viverá CANCIONINA SONG.)

CANCIONINA –
Meu verbo é o verbo amar
Minha meta é a paixão
Só penso em me apaixonar
Meu órgão é o coração.
Não vou dizer, claro, mas
Aqui mêsmo neste palco
Se encontra aquele rapaz
Que eu devo amar...

CAMPÔNIO – Ai, que saco!

MÃEZINHA – (rápida)
Numa boa Companhia
Nunca, jamais faltaria
Um majestoso vilão:

CANASTRA – (com ênfase) Lologigo Valadão...

MÃEZINHA – (com grande ênfase, dirá o nome do ator que viverá LOLOGIGO VALADÃO. Os que estão em cena aplaudem)

LOLOGIGO –
Vamo’ entrar logo direto
No assunto: Eu sou esperto.
Na vida levo a melhor,
Mas estou sempre encoberto.
É chavão, diz o senhor.
É. Mas eu costumo pôr
Tanto amor em não ser certo
Que tenho novo sabor.

MÃEZINHA – (de nariz torcido)
Uma outra figuração
Que, pra chamar a atenção
Toda Companhia tem...

CANASTRA –
Pode deixar que convém
Eu mesmo apresenta essa
Caboc’o, é mulher à beça...
Da próxima; é um mulherão.

MÃEZINHA – Ela veio da Argentina...

CANASTRA – E é uma BOUA menina.

MÃEZINHA – ...Pra Amada Amanda viver...

CANASTRA – Menos pra VI que pra VER...

MÃEZINHA – (Diz rapidamente e sem ênfase o nome da atriz que viverá AMADA AMANDA)

CANASTRA – (Repete, com enorme ênfase, o nome da atriz que viverá AMADA AMANDA)

(Os que estão em Cena puxam aplausos, menos MÃEZINHA)

AMADA –
Ay...
Quiero le decir que si
Quiero que usted vea a mi
Y que olvide los problemas,
Los negocios y las penas
Ay...
Tambien de su sogra esqueza,
Tenga nada en la cabeza...
Quiere usted se divertir?
Mire solamente a mi.

LOLOGIGO –
Desse jeito não vai, não
Tem que pôr mais emoção.

AMADA –
Yo sé bien lo que yo tengo
Conozco todo mi dengo...

LOLOGIGO –
Então mostre o que tem
Pros deste lado também

AMADA –
Tengo esto y mucho más...

MÃEZINHA – Ai! Assim já é demais!

CANASTRA – (rápido)
E agora, muito cuidado,
Se não ficar relaxado
Esta aqui de rir lhe mata
(ênfase)
A nossa atriz caricata...
(com grande ênfase diz o nome da atriz que viverá DONA VIRGÍNIA)

(Os que estão em cena puxam aplausos)

DONA VIRGÍNIA –
De esquecer o enredo
De um público ledo e quedo
De entrar em cena mais cedo
De ser atriz de brinquedo,
Vou lhe contar um segredo:
Disso tudo eu tenho medo.

CANASTRA –
E agora, pra terminar,
Só falta apresentar
O ator que ilumina...
(ênfase)
Nosso amigo Brilhantina...
(com grande ênfase diz o nome do ator que está vivendo BRILHANTINA)

(TODOS aplaudem)

MÃEZINHA –
Uma Companhia é vã
Se não tem um bom galã.

CANASTRA –
E esta, digo aos senhores,
Tem um galã dos melhores
Que é galo pras cachorrinhas

BRILHANTINA – E pros senhores, galinha... (Gargalhada)

CANASTRA – Olha lá como me trata!

MÃEZINHA – (com ênfase) Vivendo o Ruy Canastra...

CANASTRA – Eu mesmo: (com grande ênfase diz o próprio nome)

(TODOS se exibem para o público. CANASTRA se aplaude sozinho)

MÃEZINHA –
Assim, todos os artistas
Fomos postos em revista.

CANASTRA –
Neste palco, hoje, estaremos
Trabalhando pra lhe dar
O que veio aqui buscar.

COMPANHIA –
O melhor de nós faremos.
Torno, aqui, vida em encantamento,
Meu alento eu lhe empresto, não mais...
Como a vida, a cena é um momento,
Está passando, não volta jamais...

(Fecha a cortina enquanto BRILHANTINA pula no palco)

BRILHANTINA –
E outra vez é minha vez:
Hoje, o "Coração Materno"
Drama que é antigo e eterno,
Apresento pra vocês.
Será aqui apresentado
Do jeito mais verdadeiro,
Como é feito em picadeiro
Desde que foi inventado.
Um circo de tradição,
De serragem ou de tablado,
Representa o consagrado
Drama assim. (ênfase)
E atenção...


3ª Fase – A História

Os Cenários desta fase são telões pintados, ingênuos e românticos. A Cena é a "dramatização" da música "Coração Materno", de Vicente Celestino.

Obs.: O drama de mesmo nome, de autoria de Alfredo Viviani, ainda hoje é levado com muito sucesso nos Circos e a dita "dramatização" é o arremate desse drama. Por outro lado, em espetáculos de variedades de Circos mais tradicional, é comum apresentarem-se números que são a "dramatização" de músicas antigas.

TELÃO I – Uma porteira domina a cena. Estrada. Vegetação. Algumas casinhas brancas de colonos. Ao longe, os morros.

APRESENTADOR – Disse um campônio à sua amada:

CAMPÔNIO – Minha idolatrada,
Diga-me o que quer.
Por ti vou matar, vou roubar,
Embora tristeza

CAMPÔNIO – Me cause, mulher.
Provar quero eu que te quero,
Venero teus olhos,
Teu porte, teu ser.
Mas diga tua ordem, espero:
Por ti não importa
Matar ou morrer.

APRESENTADOR – E ela disse ao campônio a brincar:

AMADA – Se é verdade tua louca paixão,
Parte já e pra mim vai buscar
De tua mãe, inteiro, o coração.

APRESENTADOR – E a correr o campônio partiu.
Como um raio na estrada sumiu.
E sua amada qual louca ficou,
E a chorar na estrada tombou.

TELÃO II – Choupana. Porta de entrada nos fundos. Um oratório com Nossa Senhora Aparecida. Jarros com flores.

Obs.: De alguma forma deve-se dar muito destaque a estas flores, depois vai-se saber o porquê.

APRESENTADOR – Chega à choupana o campônio
E encontra a mãezinha
Ajoelhada a rezar.
Rasga-lhe o peito o demônio,
Tombando a velhinha
Aos pés do altar.
Tira do peito sangrando
Da velha mãezinha
O pobre coração
E volta a correr proclamando:

CAMPÔNIO – Vitória! Vitória!
Tem minha paixão.

TELÃO III – Estrada. Barranco feito por grandes pedras.

APRESENTADOR – Mas em meio à estrada caiu
E na queda uma perna partiu
E à distância saltou-lhe da mão
Sobre a terra, o pobre coração...
Neste instante uma voz ecoou:

(Por efeito de iluminação e transparência do telão, MÃEZINHA aparece numa das pedras da margem da estrada, no lugar exato onde caiu o coração).

MÃEZINHA – Magoou-te, pobre filho meu?
Vem buscar-me, filho, aqui estou...

(Muda a música. Sobe o Telão III. Toda a Companhia está em cena)

COMPANHIA – Aqui estou pra te dar, por momentos,
Ilusão, vida, encantamento.
Vem buscar-me depressa pois eu...
Passo rápido
Eu sou cômico
Eu sou trágico
E é teu meu coração...
Vem
Ver
Vem
Rir
Vem
Chorar
Vem
Me amar
Vem buscar-me que ainda sou teu.

(E isto cantando, colocam-se em gestos de apoteose e termina o prólogo).

Nenhum comentário: