quarta-feira, 4 de abril de 2007

Cena 1 (1a. parte)

Primeira Parte

Na qual se apresentam os artistas, os personagens que eles vão viver e a história que se vai contar.

Quando o publico vier (se vier), lerá tabuletas – na porta do teatro, no saguão, nas paredes da sala, num canto do palco... – que anunciam: HOJE, CORAÇÃO MATERNO.

Os ARTISTAS devem estar nos seus afazeres normais: a que fará MÃEZINHA na bilheteria, o que viverá BRILHANTINA recebendo os ingressos, etc... O ator que viverá CAMPÔNIO, com um tabuleiro, pode estar vendendo pirulitos de caramelo (daqueles cônicos, que se vendem em circos). A atriz que fará AMADA AMANDA pode estar vendendo retratos seus autografados. E vende assim: ela joga um lenço no ombro de um cavalheiro; quando ele se volta, então ela mostra o retrato.

Cena 1

(Avant-prólogo) – ABERTURA

Na frente da cortina.

(Apagam-se as luzes da platéia. Rufo na bateria. Acende-se um spot-móvel, no meio da cortina. Entra RUY CANASTRA - O APRESENTADOR.)

APRESENTADOR – Senhoras e senhores, rapazes e senhoritas, crianças... BOA NOITE!!! (Silêncio. O Apresentador imobiliza o gesto de grande apresentador para grande publico. Desconfiado) Boa noite. (tempo. Para os bastidores:) Mas o que é que esta acontecendo? Não tem espetáculo hoje e ninguém me avisa nada? (protegendo os olhos da luz, para a platéia:) Não tem ninguém aí? Ô Brilhantina...

BRILHANTINA(O operador do spot-móvel) Ham?

CANASTRA – Brilhantina, ilumina ali pra ver se tem gente.

BRILHANTINA – Se tem gente onde?

CANASTRA – Na platéia, sua besta,

BRILHANTINA – Ah...

(O spot-móvel percorre a platéia)

CANASTRA – Ah, bom... tem gente sim, olha aí... É... Não é nenhum Pacaembu em dia de jogo do Corinthians, mas ate que não está mau...

BRILHANTINA(Gargalhada)

CANASTRA – É ou não é, Brilhantina? (para a platéia) o outro gosta de tirar um sarro... Não, mas é verdade, sô, quê que é? A gente leva um susto mesmo... a gente chega aí todo frajola e tal e "boa noite"... e nada?! É pra ficar mau dentro das calças mesmo, é ou não é? A gente pensa que não veio ninguém! Já pensou?

BRILHANTINA(Gargalhada)

CANASTRA – O outro ali dá risada, mas é sério. Os senhores se ponham na minha situação. A gente arruma tudo... é, porque lá dentro está tudo arrumado como manda o figurino... E o trabalho que dá, caboc’o, vou te contar! E é vestimenta, e pinta cenário, e é coisa que não é bolinho. E a gente combina tudo direitinho como vai ser no dia... Ensaio, né? Então. E a gente se fantasia todo, olha só: manja só a estica, dá só uma olhada... Até cartola, caboc’o, quê que tá pensando? É... Tá pensando que é pouca porcaria? Olha aí. E no fim, a gente chega aqui e... "boa noite" e... NADA?!

BRILHANTINA(Gargalhada)

CANASTRA – Ô, Brilhantina.

BRILHANTINA(rindo) Ham?

CANASTRA – Vê se te manca aí que agora eu tô falando sério, caboc’o!

BRILHANTINA(Gargalhada)

CANASTRA(Divertido) Mas o outro tá pensando que eu sou o quê? Tá pensando que sou palhaço? Não, porque tem muita gente que acha que artista é palhaço, viu? É. Tem muita gente por aí que acha que pra subir num palco tem que ser palhaço, vê se te serve. Agora, eu vou dizer pros senhores o que é que e a acho dessa gente que pensa assim: eu acho que eles... que eles tão certos (e se diverte). É. Tão certos porquê, aqui entre nós, e que ninguém nos ouça, tu acha que gente séria, mas séria mesmo, vai fazer graça pros outros rir? Não, né caboc'o. Agora, triste mesmo foi minha situação agora pouco, é ou não é? Sim, porque de ser palhaço eu já tô até conformado, porque já vi que a sério eu não ia dar certo na vida mesmo. Agora, sente o drama: chegar aqui pra fazer palhaçada e não ter ninguém aí desse lado pra rir dela... ah, é dose, caboc'o, é ou não é?

(A esta altura os ATORES, que vieram entrando pelas passagens da cortina, já estão bem aparentes. MÃEZINHA se adianta disfarçando, sorrindo para o público.)

MÃEZINHA(sorridente) Ruy.

CANASTRA(divertido) Ei, o quê é que tu tá fazendo aqui?! Eu ainda nem te anunciei, nem nada.

MÃEZINHA(sorrindo para a platéia, entredentes) Não fala bobagem, Ruy.

CANASTRA – Vai mulher, desinfeta daí, vai, vai, vai...

MÃEZINHA – RUY!

CANASTRA(para a platéia, divertido) Mas será possível que nem na hora que eu tô aqui no palco fazendo o meu papel de palhaço esta mulher me dá uma folga?

MÃEZINHA – RUUUUUUYYYY!!!

BRILHANTINA(Gargalhada)

(De costas para o público e ralhando com ele, MÃEZINHA tenta tirar CANASTRA de cena puxando-o pelo braço. Não se entende o que ela diz.)

CANASTRA(se livrando dela, sempre divertido) ...que falando bobagem o quê, mulher; eu só tô aqui dizendo a verdade, é ou não é? Pode perguntar aí pra eles.

MÃEZINHA(irritadíssima) A cachaça, isso sim é o que tá falando. A cachaça.

CANASTRA – Eu só tava dizendo aqui que a pior coisa que existe no mundo é alguém subir aqui em cima pra fazer palhaçada...

MÃEZINHA – RRRUUUUYYY!!!

BRILHANTINA(Gargalhada)

CANASTRA – TEATRO... eu disse palhaçada? Eu disse palhaçada, Brilhantina? Não, não, não, não, não! Teatro, pra fazer TE-A-TRO.

BRILHANTINA(Gargalhada)

(MÃEZINHA se afasta rapidamente para o outro canto do palco. O spot-móvel fica em CANASTRA.)

CANASTRA – ...Eu só estava dizendo aqui pro pessoal que... (segue falando)

MÃEZINHA – Brilhantina!

BRILHANTINA(Gargalhada)

CANASTRA(iluminado, segue falando)

MÃEZINHA(no escuro, furiosa) AQUI, BRILHANTINA!

BRILHANTINA(interrompe a gargalhada) Opa! (e gira o spot-móvel para MÃEZINHA).

MÃEZINHA(como apresentadora) Senhoras e senhores, rapazes e senhoritas, respeitável público: (solene) É numa hora tão... afável, né?.. como essa que uma artista se embarga e, procura que procura, não encontra palavras para dar uma satisfação para o seu distinto público. Sim, querido público, uma artista como eu, que tem o seu saber-o-que-fazer num palco; uma artista como eu, da qual, como se diz no vulgo, tem janela...

(CANASTRA e BRILHANTINA mal podem conter o riso.)

MÃEZINHA(comovida) ...uma artista como eu, cuja vida ofertou, todinha nas artes dramáticas – numa hora dessas tem que fazer das tripas coração e vir dizer cara a cara: perdoe. Perdoe, amado público. Como se diz naquele velho ditado popular, errar é humano...

(CANASTRA e BRILHANTINA mal podem conter o riso.)

MÃEZINHA – A nossa Companhia nunca terá deixado por menos para ofertar o melhor de si para o seu querido público, cujo respeito à família brasileira sempre foi seu lema. Mas sempre haverá coisas que são imprevisíveis antes... quer dizer; coisas que não dá pra adivinhar. Porque errar é humano, peço vênia para repetir, e um artista também erra, porque também é feito de carne e osso... Sim, respeitável público, um artista também é feito de carne, osso... e coração.

(CANASTRA E BRILHANTINA a interrompem com sonoras gargalhadas)

MÃEZINHA – RUY!

CANASTRA(Gargalhando) Olha aí, Brilhantina, tu tá vendo, né? Tu tá aí de prova...

MÃEZINHA – RUY CANASTRA!!

CANASTRA Depois diz que o cachaceiro aqui sou eu...

MÃEZINHA(azul) Cala a boca, Ruy!

CANASTRA – Não, porque só pode tá de pileque, é ou não é, Brilhantina?

BRILHANTINA – Ô... (gargalhada).

MÃEZINHA – Cala essa boca, Ruy! Cala essa latrina pelo amor de Deus...

CANASTRA – Ou então é a idade...

MÃEZINHA(uma fúria) RUY CANASTRA!

CANASTRA – É... só pode estar ficando gagá.

MÃEZINHA(perdendo a tentativa de compostura) Idade tem a tua mãe, seu desgraçado!

CANASTRA(divertidíssimo) Brotinho é que a minha mãe não ia ser, né? (gargalhada)

BRILHANTINA(Gargalhada)

MÃEZINHA – Desinfeta daqui desse palco, seu cachaceiro.

CANASTRA – Velhice é fogo...

(Alguns ATORES, vendo a situação esquentar, se arriscam a chamar a atenção de MÃEZINHA para o fato de que ela está perante o respeitável público).

MÃEZINHA – Isso é o que se chama cuspir no prato que comeu...

CANASTRA – Diz aí se não é fogo, Brilhantina.

BRILHANTINA – Ô... (gargalhada)

MÃEZINHA – Não sei como é que uma criatura dessas ainda tem a coragem de avacalhar com a única coisa que lhe restou pra ganhar o pão.

CANASTRA – É que eu não sou muito chegado a pão mesmo. O meu negócio é vinho... (E morre de rir)

BRILHANTINA(Gargalhada)

MÃEZINHA – Ô seu filho da... (os ATORES a seguram) Peraí, peraí... Mas sabe de quem é a culpa disso tudo? É minha mesmo. (batendo na própria cara) Eu é que não devia de ser tão idiota e deixar esse cafajeste apodrecer lá naquele cirquinho de quinta categoria do onde eu tirei ele.

CANASTRA(Gargalhada)

MÃEZINHA(para CANASTRA) Que tu sabe muito bem que se não fosse a estúpida aqui, o teu lugar hoje em dia era caído de bêbado numa sarjeta, com os cachorro te lambendo a boca. (para os ATORES) Me larga!

CANASTRA(divertido) Grande coisa: me tirou da merda pra me jogar na bosta.

BRILHANTINA(Gargalhada)

MÃEZINHA – Ah, é? Seu.,, (e avança aos socos em CANASTRA)

(CANASTRA domina MÃEZINHA e dá-lhe uns tapas. Os ATORES envolvem os dois. O GRUPO sai de cena no meio de uma gritaria.)

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