quarta-feira, 4 de abril de 2007
Cena 18
O ASSASSINATO
(O cenário é o mesmo: TELÃO II da 3ª FASE da CENA II, PRIMEIRA PARTE e da CENA VII, TERCEIRA PARTE, isto é: Choupana. Porta de entrada nos fundos, um oratório com Nossa Senhora Aparecida.)
1ª Fase – De novo, trecho da peça "Coração Materno", de Alfredo Viviani, em adaptação do autor desta tragicomédia, na métrica e rima de Vicente Celestino)
(Está em cena O FILHO TORTURADO. Entra A VELHA MÃE)
(Música)
A VELHA MÃE – QUE TENS MEU FILHINHO?
O FILHO TORTURADO – NADA!!
VELHA MÃE – TUA MÃE CANSADA
AJUDAR-TE QUER.
CAMPÔNIO – (tenso) Mãe...
MÃEZINHA – (perturbada) Ajudar-te quer... (tenta se recompor)
A VELHA MÃE – (mais alto) TUA MÃE CANSADA
AJUDAR-TE QUER.
O FILHO TORTURADO – (com dificuldade) TENHO ALGO A ME TORTURAR.
CAUSO-TE TRISTEZAS
POR UMA MULHER…
CAMPÔNIO – (transtornado) Mãe…
A VELHA MÃE – TRISTEZAS?!
CAMPÔNIO – Mãe, mãezinha...
A VELHA MÃE – TRISTEZAS?!
CAMPÔNIO – Mãe, me ouve pelo amor de Deus…
A VELHA MÃE – (com enorme dificuldade) TRISTEZAS?!
(Pausa. CAMPÔNIO procura o clima.)
O FILHO TORTURADO – (automaticamente) EU ME DESESPERO,
MÃE, POIS PROS TEUS OLHOS
A DOR VOU TRAZER…
MÃEZINHA – (faz parte da marcação estabelecida e quebra) No ano em que o cometa apareceu. Me lembro… mas só dava pra ver o campo. O campo, Campônio.
(MÃEZINHA, de repente, retoma a marcação estabelecida).
A VELHA MÃE – AS FLORES DO ALTAR!
O FILHO TORTURADO – SOU SINCERO…
A VELHA MÃE – ROUBASTES?
O FILHO TORTURADO – QUE IMPORTA?
A VELHA MÃE – QUE TRISTE SABER…
MÃEZINHA – O campo… Por que eu não consigo ver o campo?
A VELHA MÃE – QUE TRABALHO ME DEU PARA ENCONTRAR…
MÃEZINHA – O mundo não vai acabar. É só o motor do caminhão. As gotas da chuva na lona. É só a chuva.
A VELHA MÃE – ESSAS FLORES! – NÃO É A ESTAÇÃO – PRA SANTINHA...
MÃEZINHA – A dor… da dor eu me lembro agora. Aqui na minha barriga. Queima aqui. Queima.
CAMPÔNIO – (alucinado) Mãe, pelo amor de Deus, me ouve. Me ouve, mãe.
A VELHA MÃE – EU POSSO APOSTAR
QUE TU DESTES…
CAMPÔNIO – É a história, mãe. Eu não posso mudar, mãezinha. Ninguém pode.
A VELHA MÃE – É ERRADO.
CAMPÔNIO – (delirante) Ai…
A VELHA MÃE – AMOR TÃO LOUCO ASSIM NÃO SE VIU!
CAMPÔNIO – (torturado) SIM, MÃEZINHA, ESSE AMOR ME TORNOU NUM DEMENTE, NUM MONSTRO. Num monstro… num monstro… (pega a faca) num monstro… num monstro… (corre para ela gritando) MÃE! (e a apunhala).
(PÁRA TUDO).
2ª Fase – A Cena que Não Era Para Ter
(CAMPÔNIO se afasta muito lentamente com a faca na mão).
MÃEZINHA – (ofegante) Ai…
(TUDO PARADO. Só MÃEZINHA cambaleia em direção à ribalta, uma das mãos no peito e a outra para a platéia).
MÃEZINHA – (com muita dificuldade) Me acudam…
(MÃEZINHA cai).
BRILHANTINA – (pulando no palco) Mas o quê que tá acontecendo?
CAMPÔNIO – (demente, com a faca na mão) Não, o coração…
DONA VIRGÍNIA – (entrando) Dona Mãezinha...
BRILHANTINA – (para CAMPÔNIO) Isso não era nesta cena.
CAMPÔNIO – Não, o coração…
DONA VIRGÍNIA – (virando Mãezinha) Dona Mãezinha, o que é que foi?
CANASTRA – (por cima do ombro de DONA VIRGÍNIA) Ela está morta.
DONA VIRGÍNIA - (num grito) Meu Deus!
CAMPÔNIO – Não, o coração…
(O telão sobe, deixando à mostra os bastidores).
BRILHANTINA – Um médico, um médico, depressa!
(CANASTRA, mudo e ligeiro, ergue Mãezinha nos braços e sai com ela de cena).
LOLOGIGO – (Para CANASTRA) Olha o público.
(CANASTRA não responde. Sai.)
BRILHANTINA – Onde é que a gente pode achar um médico, agora?
DONA VIRGÍNIA – (quase chorando) Aqui. Aqui perto.
BRILHANTINA – Aonde?
DONA VIRGÍNIA – No quarteirão de cima tem um pronto-socorro.
LOLOGIGO – (Para AMADA) Vai te arrumar. (Ela sai).
DONA VIRGÍNIA – Manda alguém lá depressa, buscar um médico. (Sai)
BRILHANTINA – Eu vou.
LOLOGIGO – (Segurando BRILHANTINA pelo braço) Olha o público aí.
BRILHANTINA – E o que é que tem?
LOLOGIGO – O espetáculo tem que continuar.
BRILHANTINA – (Num repelão) Que importa, agora? (Sai correndo).
LOLOGIGO – (Aproximando-se de CAMPÔNIO) A gente tem que continuar. A AMADA faz o número das bolas. Me ajuda aqui com as cortinas…
CAMPÔNIO – (fora de si) Não, o coração…
(Entra AMADA toda vestida com bolas de gás).
LOLOGIGO – (Para AMADA) Ele piorou. Não tá sabendo mais onde está. Tira ele pra lá enquanto eu vou baixar o telão. (De saída. Música.)
(Enquanto se ouve a introdução, AMADA empurra CAMPÔNIO para os bastidores).
CAMPÔNIO – Não, o coração…
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