quarta-feira, 4 de abril de 2007

Cena 17

A FORÇA DO QUE TEM QUE SER

No camarim de MÃEZINHA.

(MÃEZINHA está sentada na frente do espelho. Entra CANASTRA. Um tempo.)

CANASTRA – Mãezinha.

MÃEZINHA(Não se mexe. Tempo)

CANASTRA – Acho que não tem outro jeito, Mãezinha.

MÃEZINHA(muito lentamente) Não me enche o saco.

CANASTRA – (Baixa a cabeça. Tempo)

MÃEZINHA(de repente) Aquela putona perfumada.

CANASTRA(em cima) Vamos, Mãezinha.

MÃEZINHA – Pensa que ela não sabe? Ela sabe muito bem que a gente precisava dela.

CANASTRA – Tá em cima da hora.

MÃEZINHA – Estava cansada de saber que ela era a única chance da gente melhorar, da gente continuar.

CANASTRA – Vam'imbora.

MÃEZINHA – Ela sabia, e tu pensa que ela se incomodou? Tu pensa que ela teve um pingo de consideração? Não!

CANASTRA – Mãezinha...

MÃEZINHA – Ela ficou aí dizendo um monte de coisa e depois se mandou por aquela porta, dura que nem pedra...

CANASTRA(mais forte) Mãezinha...

MÃEZINHA – E ainda por cima levou tudo o que a gente tinha de melhor: os cenários, as roupas, tudo. Tudo.

CANASTRA – A cena, Mãezinha.

MÃEZINHA(diretamente) E nós?

CANASTRA – A cena.

(Pausa. Eles estão cara a cara.)

MÃEZINHA(outro tom) 'Pera aí.

CANASTRA – A cortina já vai abrir. Você sabe muito bem que você tem que estar em cena quando a cortina abrir. O público está lá.

MÃEZINHA – Não vou. Não vou. (gritando) Não.

(Batidas na porta)

BRILHANTINA(fora) Dona Mãezinha...

CANASTRA – Olhaí.

MÃEZINHA – Espera.

CANASTRA – Esperar o quê?

(Tempo. Ela fica parada)

CANASTRA – Hein?

MÃEZINHA(lentamente) Não tem mais sentido. Ela disse. Ruy, tu acha que eu não tenho mais sentido?

CANASTRA(suspirando) Acho.

MÃEZINHA(Olha pra ele assustada. Depois:) Acha mesmo?

CANASTRA – As coisas mudam, Mãezinha. Tudo tem que acabar um dia.

MÂEZINHA – Ó, meu Deus, eu me esqueci disso.

CANASTRA – Mas é assim.

MÃEZINHA – Eu fiz tudo com tanta força. E era tão bom! Acabei me esquecendo... Pensei que era pra sempre.

CANASTRA – Sempre?!

MÃEZINHA – Sempre não existe, não é?

CANATRA – Não.

MÃEZINHA(para si mesma) Sempre não existe...

(Batidas na porta)

CANASTRA – Agora vamos, Mãezinha.

MÃEZINHA – Não.

BRILHANTINA(Fora) Dona Mãezinha...

CANASTRA – Vamos.

MÃEZINHA – Eu não vou, eu não vou pra’quela cena! Eu não quero.

CANASTRA – Pára com isso!

MÃEZINHA – Me larga.

CANASTRA – Não faz assim, Mãezinha. Pára.

MÃEZINHA – Ruy Canastra você é um cafajeste. Você não liga pro espetáculo. Nunca ligou...

BRILHANINA(Fora) Dona Mãezinha... (bate)

MÃEZINHA - ...você me odeia. Você sempre quis se ver livre de mim.

CANASTRA – Você sabe que não é nada disso, Mãezinha.

MÃEZINHA – É sim.

CANASTRA – Eu não posso fazer nada. Ninguém pode. Você sabe que é assim. Você sabia dessa cena. Que ela ia chegar.

MÃEZINHA – Não, não sabia.

CANASTRA – Sabia sim. Todo mundo sabe que é assim.

MÃEZINHA – Eu me esqueci.

CANASTRA – Agora chegou. Chegou.

MÃEZINHA – Não.

CANASTRA – Passa num instante, Mãezinha. Passa num instante...

BRILHANTINA(fora) Dona Mãezinha...

MÃEZINHA – Não, eu vou ficar aqui. Aqui.

BRILHANTINA(fora, aflito) A cortina já vai abrir.

MÃEZINHA – ...Xingando a CANCIONINA. (automática) Ela ficou aí dizendo um monte de coisas e depois se mandou por aquela porta dura que nem pedra ela ficou aí dizendo...

BRILHANTINA(contentíssimo) Ah...

CANASTRA – Vai.

BRILHANTINA – Só se for agora... (e sai correndo)

(CANASTRA volta-se para MÃEZINHA, que está em frente ao espelho)

MÃEZINHA – ...Nos dias que correm.

(MÃEZINHA caminha decidida para a porta. Pára. Volta-se.)

MÃEZINHA – Deve ser mesmo.

CANASTRA – O quê?

MÃEZINHA – Como sair de cena. Só isso. (Sai)

(CANASTRA fica parado por um momento. Depois, com um urro, dá um soco sobre a bancada de maquiagem)

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