A FORÇA DO QUE TEM QUE SER
No camarim de MÃEZINHA.
(MÃEZINHA está sentada na frente do espelho. Entra CANASTRA. Um tempo.)
CANASTRA – Mãezinha.
MÃEZINHA – (Não se mexe. Tempo)
CANASTRA – Acho que não tem outro jeito, Mãezinha.
MÃEZINHA – (muito lentamente) Não me enche o saco.
CANASTRA – (Baixa a cabeça. Tempo)
MÃEZINHA – (de repente) Aquela putona perfumada.
CANASTRA – (em cima) Vamos, Mãezinha.
MÃEZINHA – Pensa que ela não sabe? Ela sabe muito bem que a gente precisava dela.
CANASTRA – Tá em cima da hora.
MÃEZINHA – Estava cansada de saber que ela era a única chance da gente melhorar, da gente continuar.
CANASTRA – Vam'imbora.
MÃEZINHA – Ela sabia, e tu pensa que ela se incomodou? Tu pensa que ela teve um pingo de consideração? Não!
CANASTRA – Mãezinha...
MÃEZINHA – Ela ficou aí dizendo um monte de coisa e depois se mandou por aquela porta, dura que nem pedra...
CANASTRA – (mais forte) Mãezinha...
MÃEZINHA – E ainda por cima levou tudo o que a gente tinha de melhor: os cenários, as roupas, tudo. Tudo.
CANASTRA – A cena, Mãezinha.
MÃEZINHA – (diretamente) E nós?
CANASTRA – A cena.
(Pausa. Eles estão cara a cara.)
MÃEZINHA – (outro tom) 'Pera aí.
CANASTRA – A cortina já vai abrir. Você sabe muito bem que você tem que estar em cena quando a cortina abrir. O público está lá.
MÃEZINHA – Não vou. Não vou. (gritando) Não.
(Batidas na porta)
BRILHANTINA – (fora) Dona Mãezinha...
CANASTRA – Olhaí.
MÃEZINHA – Espera.
CANASTRA – Esperar o quê?
(Tempo. Ela fica parada)
CANASTRA – Hein?
MÃEZINHA – (lentamente) Não tem mais sentido. Ela disse. Ruy, tu acha que eu não tenho mais sentido?
CANASTRA – (suspirando) Acho.
MÃEZINHA – (Olha pra ele assustada. Depois:) Acha mesmo?
CANASTRA – As coisas mudam, Mãezinha. Tudo tem que acabar um dia.
MÂEZINHA – Ó, meu Deus, eu me esqueci disso.
CANASTRA – Mas é assim.
MÃEZINHA – Eu fiz tudo com tanta força. E era tão bom! Acabei me esquecendo... Pensei que era pra sempre.
CANASTRA – Sempre?!
MÃEZINHA – Sempre não existe, não é?
CANATRA – Não.
MÃEZINHA – (para si mesma) Sempre não existe...
(Batidas na porta)
CANASTRA – Agora vamos, Mãezinha.
MÃEZINHA – Não.
BRILHANTINA – (Fora) Dona Mãezinha...
CANASTRA – Vamos.
MÃEZINHA – Eu não vou, eu não vou pra’quela cena! Eu não quero.
CANASTRA – Pára com isso!
MÃEZINHA – Me larga.
CANASTRA – Não faz assim, Mãezinha. Pára.
MÃEZINHA – Ruy Canastra você é um cafajeste. Você não liga pro espetáculo. Nunca ligou...
BRILHANINA – (Fora) Dona Mãezinha... (bate)
MÃEZINHA - ...você me odeia. Você sempre quis se ver livre de mim.
CANASTRA – Você sabe que não é nada disso, Mãezinha.
MÃEZINHA – É sim.
CANASTRA – Eu não posso fazer nada. Ninguém pode. Você sabe que é assim. Você sabia dessa cena. Que ela ia chegar.
MÃEZINHA – Não, não sabia.
CANASTRA – Sabia sim. Todo mundo sabe que é assim.
MÃEZINHA – Eu me esqueci.
CANASTRA – Agora chegou. Chegou.
MÃEZINHA – Não.
CANASTRA – Passa num instante, Mãezinha. Passa num instante...
BRILHANTINA – (fora) Dona Mãezinha...
MÃEZINHA – Não, eu vou ficar aqui. Aqui.
BRILHANTINA – (fora, aflito) A cortina já vai abrir.
MÃEZINHA – ...Xingando a CANCIONINA. (automática) Ela ficou aí dizendo um monte de coisas e depois se mandou por aquela porta dura que nem pedra ela ficou aí dizendo...
BRILHANTINA – (contentíssimo) Ah...
CANASTRA – Vai.
BRILHANTINA – Só se for agora... (e sai correndo)
(CANASTRA volta-se para MÃEZINHA, que está em frente ao espelho)
MÃEZINHA – ...Nos dias que correm.
(MÃEZINHA caminha decidida para a porta. Pára. Volta-se.)
MÃEZINHA – Deve ser mesmo.
CANASTRA – O quê?
MÃEZINHA – Como sair de cena. Só isso. (Sai)
(CANASTRA fica parado por um momento. Depois, com um urro, dá um soco sobre a bancada de maquiagem)
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