quarta-feira, 4 de abril de 2007

Cena 10

PRIMEIRA CENA DE CANCIONINA SONG

1ª Fase – A Apresentação Da Personagem

Nos bastidores.

(Há uma figura parada no fundo do palco, de costas para a platéia. Está vestida de dama- antiga-saia-balão, sombrinha e toda de branco.)

(MÃEZINHA entra.)

MÃEZINHA – Cancionina?

(CANCIONINA se volta.)

MÃEZINHA – Cancionina Song!! Mas que surpresa, meu amor. A que devo tanta honra?

CANCIONINA – Dona Mãezinha, uma pergunta...

MÃEZINHA – (solícita) Ham?

CANCIONINA – É um musical?

MÃEZINHA – É. É sim. É um musical.

CANCIONINA – Ah! Então... Maestro.

(entra música suave.)

(Spot-móvel em CANCIONINA SONG.)

CANCIONINA – (canta)
Boa noite!
Eu sou um personagem
Sem mensagem,
Que entro
Num momento da história
Sem glória,
E canto
Pra fazer conhecida
Minha vida.
Quanto
Que eu mesma vou traçar
Meu lugar
Meu enredo
Definirei sem medo

(arremate:)
A minha trajetória
Nesta história.

2ª Fase(Primeira interrupção) SOBRE AS SUPERTIÇÕES DA ESTRÉIA

Ainda nos bastidores.

MÃEZINHA(aplaudindo) Perfeito. Viu? Eu não disse que ia dar tudo certo? O que foi que eu disse? Ah, meu amor, pra essas coisas eu tenho olho clínico, como se diz, né? Então. Mas também se assim não fosse... eu praticamente já nasci num palco; se eu não soubesse dizer quando um personagem vai agradar é que era de estranhar, não é mesmo? Então. Olha só a cara deles (platéia). Não tão com cara de quem gostou? Então...

CANCIONINA(canta)
Um instante
Quero esperar pra crer
Mais adiante
(arremate)
Eu mesma quero ver
Me convencer.

MÃEZINHA – Heim?!...Ah, mas é claro, é claro que você vai agradar. Vai por mim. (Para a platéia) Não, sabe o que é? É que ela é nova no espetáculo, e novato é aquela água: é inseguro que nem sei. Mas eu já disse pra ela (para CANCIONINA) que pode ficar descansada, meu amor, que eu sei muito bem o que estou fazendo. Eu preparei tudo direitinho. Você vai ver o próximo número, o número da estação. Eu fiz questão de botar nele o melhor que eu tinha...

CANASTRA – E o que não tinha também.

MÃEZINHA – Então. (Para CANASTRA) Quer dar o fora, fazendo favor?

(Introdução musical)

MÃEZINHA – Olha aí, já vai começar. Vamos lá, vamos lá. Deixa eu ver. Aquele prego de cenário que eu te dei, botou no sutiã?

(CANCIONINA mostra o prego costurado no sutiã.)

MÃEZINHA – Isso. Perfeito. (Para a platéia) São umas superstições que a gente tem pro espetáculo dar certo. Quer dizer, pode ser bobagem, né? Mas como diz lá o espanhol. Yo no lo creo em brujerias, pero las hay, las hay! Então. (Para CANCIONINA:) Agora bate três vezes na madeira do palco.

(CANCIONINA dá três pancadas com o nó dos dedos no chão do palco.)

MÃEZINHA – Não, meu amor, bate três vezes que dá mais força. Olha, assim (bate junto com CANCIONINA) Um, dois, três, um, dois, três, um, dois, três. Isso. Pronto. Agora faz o sinal da cruz só com o pé direito no chão. Vai, faz. (CANCIONINA obedece.) Assim, Agora... Bom, agora você já está pronta, só falta eu te dar o cumprimento e pronto, é só começar. Então... (beija-a) Merda bem grande pra você, meu amor, merda.

CANCIONINA(vai falar...)

MÃEZINHA – Não, não. Não agradece que dá azar. (Saindo) Merda...

3ª Fase(Quadro musical) AS ASPIRAÇÕES DO PERSONAGEM

Na frente da cortina.

(Spot-móvel em CANCIONINA SONG. Entram o CRIADO e a CRIADA, trazendo malas e guarda-pó.)

CANCIONINA – Sou moça rica e bem nascida, sim

CRIADOS – O pai tem grana que não tem mais fim.

CANCIONINA – Papai não quer que eu faça nada não.

CRIADOS – O pai só quer que ela tenha um vidão...

CANCIONINA – Mas não tem remédio
Pro meu grande tédio
Daí
Pra fazer minha vida
Colorida
Eu li
Romance de montão
E então
Descobri
Que sou um personagem.
Paisagem
(arremate)
Quero adequada ser
Pra viver.

(Spot-móvel vai para uma bilheteria de estação-de-estrada-de-ferro, com BILHETEIRO.)

BILHETEIRO – A solução eu tenho aqui comigo.

CRIADOS – Aquele moço ali vende passagem.

CANCIONINA – Então me aponte o trem que eu devo ir.

BILHETEIRO – No que melhor convém a um personagem:
No que vai partir
Para o tempo antigo.

(Música imita barulho do trem.)

4ª Fase – (Segunda interrupção) SOBRE A INVEJA NO TEATRO

No camarim de AMADA AMANDA.

AMADA – No, no, no y no.

BRILHANTINA – Epá! Mas logo para cima de mim? Quer dizer: eu não tenho nada com isso não. Eu só tô aqui fazendo um favor pra ela, quer dizer: ela perguntou assim quem é que podia fazer o favor de trazer a roupa aqui pra você trocar, e daí eu disse que se era pra você trocar de roupa eu vinha... quer dizer, trazer a roupa, né? Pra fazer um favor, pô...

AMADA – Y esta es la ropa?

BRILHANTINA – É.

AMADA – Y tu sabes que paño és esse?

BRILHANTINA(olhando pros peitos dela) Não.

AMADA – És velludo!

BRILHANTINA(animado) E tu não vai trocar de roupa? Quer dizer...

AMADA – Y tu sabes hace quanto tiempo yo no veo velludo? Um velludo de verdad?

BRILHANTINA(olhando pros peitos dela) Faz tempo!...

AMADA – Pués desde que yo entré para esta Companhia de mierda.

BRILHANTINA – Ah.

AMADA – Yo tiengo el tempo entero que me vestir de trapos porque ella nunca tiene dinero para renovar el guardarropa.

BRILHANTINA(olhando pros peitos dela) Puxa!

AMADA – Quando yo queria mudar mi número de apresentación, tu sabes lo que me ha dito ella?

BRILHANTINA(olhando pros peitos dela) Grande!

AMADA – Quê?

BRILHANTINA – Quer dizer...

AMADA – Me dice que no tiene dinero. (e fica de costas para ele).

BRILHANTINA(olhando pra bunda dela) Puxa!

AMADA – Y ahora velludo! Y escenarios brillantes! Y caríssimos! Has bisto el escenario del campo?

BRILHANTINA(olhando para bunda dela, rapidíssimo) Ainda não, mas eu quero ver tudo, eu faço questão...

AMADA – Upááá! Magnífico! Digno de una gran estrella!

BRILHANTINA – Ô...

AMADA – Y todo esso para quê?

BRILHANTINA – Pra apalpar...

AMADA – Quê?!

BRILHANTINA – Quer dizer...

AMADA – Pues, pra puxar el saco de essa mujercita... essa... essa... novata horrible, fea, magra, sin pecho, sin bunda, que ni sabe como pisar un palco.

BRILHANTINA(olhando pros peitos dela) Maravilha!

AMADA – Quê?

BRILHANTINA – Quer dizer...

AMADA – Pero no es solo esso, no...

BRILHANTINA(animadíssimo) Tem mais!

AMADA – Mucho más, que piensas?

BRILHANTINA – Que pra mim já tava bom!

AMADA – Ella no tenía como poner la novata en el espetáculo porque no tenía ningun papel en la pieza para una persona tan insípida... y piensas que ella se apertó?

BRILHANTINA – Não?!

AMADA – No. Ella invento um personaje y puzo en el espetáculo, un personaje sin pié nin cabeza, que no tiene nada que ver con la pieza...

BRILHANTINA – Puxa!

AMADA – Y ahora me viste a mi de velludo pra hacer figuración para essa perra endiñerada! No! (Furiosa) Yo no! Y devólvele esso, (joga a roupa na cara dele) Y dile que yo, Amada Amanda, la gran vedete conocida en toda la Argentina, haré figuración ni muerta. (Berro) Vai. (E senta-se, bufando.)

BRILHANTINA(parado nos peitos dela).

AMADA – Pero que haces ay? Estás plantando? Vai, te lo dice... (Percebendo) Ah!... Fuera de aqui, cabrón. Fuera...

CAMPÔNIO(Irrompendo) Brilhantina! O que é que tu ta fazendo aqui?!

BRILHANTINA – Quer dizer...

AMADA(Furiosíssima) Fuera de aqui... (e avança pra eles).

(Os dois fogem. Ela bate a porta do camarim atrás deles. Eles topam com MÃEZINHA parada do lado de fora do camarim. CAMPÔNIO foge para o fundo do palco.)

BRILHANTINA(Entregando a roupa pra MÃEZINHA) Ela não quis trocar de roupa...

MÃEZINHA – Eu ouvi.

BRILHANTINA - Quer dizer...

MÃEZINHA(Gritando, para a porta do camarim) Pois ela que fique sabendo que com ela ou sem ela o número vai. Porque eu quero. E eu sei o que estou fazendo.

LOLOGIGO(Tranqüilo) Só que vai ficar faltando a Velha da Cena da estação.

MÃEZINHA – Eu faço. (Saindo) Vamos.

(Música)

5ª Fase – (Quadro Musical) – A ESTAÇÃO

O Cenário é uma estação de trem antiga. Tem um trem parado. Há um tratamento todo especial neste cenário. Os figurinos são de bom gosto e todos se vestem à antiga.

(Spot-móvel no CHEFE-DA-ESTAÇÃO.)

CHEFE-DA-ESTAÇÃO – Boa noite, eu sou o CHEFE-DA-ESTAÇÃO
E peço a todos muita atenção.
O trem já parte, não demora, não

CRIADOS – Aí vem dona Cancionina Song
Que quer procurar
Logo o seu lugar

CANCIONINA – Eu vou embarcar
Lá pro tempo antigo

(Entram HOMEM ALTO e HOMEM BAIXO que cantam e dançam com CANCIONINA.)

HOMEM ALTO – Eu vou m’imbora desta confusão

HOMEM BAIXO – Pra mim já chega de poluição

ALTO e BAIXO – Viver aqui não tem mais condição

CANCIONINA – Eu vou também.

ALTO e BAIXO – Juntemo-nos então,

TODOS – Vamos procurar.

HOMEM ALTO – Meu espaço.

HOMEM BAIXO – E ar.

CANCIONINA – É o meu lugar

TODOS – Lá no tempo antigo.
(Entra a VELHA que canta e dança com CANCIONINA.)

VELHA – Ai que saudade do meu tempo bom
Quando não tinha mão nem contra-mão
Oh, por favor, conduzam-me ao trem

CANCIONINA – Eu a conduzo, pois eu vou também

VELHA – Vamos respirar

HOMEM ALTO – E nos libertar

HOMEM BAIXO – E poder cantar

CANCIONINA – Lá no tempo antigo.

CHEFE-DA-ESTAÇÃO – Senhora e senhores, atenção
Já vão partir, o trem e a canção.

TODOS – Vamos embarcar

UNS – Oh, por favor seu CHEFE-DA-ESTAÇÃO

OUTROS – Sem mais demorar

UNS – Coloque o trem naquela direção

OUTROS – Pra logo chegar

TODOS – Lá no tempo antigo.

(TODOS embarcam cantando.)

TODOS – Bom
Vai-che-gar

En-con-trar

TODOS – Bom
O-ca-lor
Zão
Dùm-gran-dea
Mor
Vai-che-gar

En-con-trar
Etc...

(Sobre este CORO, que vai aos poucos acelerando, CANCIONINA SONG canta, de pé na última plataforma do trem, a introdução ao tema do próximo quadro musical.)

CANCIONINA – Finalmente estou partindo
Para a cena desta peça
Que se chama "O TEMPO ANTIGO"
A mais linda cena é essa.
Eu ninguém levo comigo
Pois terei lá ao alcance
Um amor tão grande e lindo!
Como se lê no romance.

(Todos abanam a mão para o CHEFE-DA-ESTAÇÃO, que abana a mão para TODOS...)

HOMENS(Acelerando)
Zão
Dum-gran-de-a
Mor
Vai-che-gar

MULHERES – U-u-uuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuu

CANCIONINA – Encontrar meu grande amor.
(...E o trem parte.)

6ª FASE – (Terceira interrupção)

Como se cria um assassino – Segunda parte

No camarim de MÃEZINHA.

(MÃEZINHA está trocando o figurino da cena anterior.)

CANASTRA(Entrando) Ele vem vindo aí. (E vai trocar o figurino.)

MÃEZINHA – Tá dando certo, né? Acho que ela fica no espetáculo, tu não acha?

CAMPÔNIO(Entrando) O que a senhora quer?

MÃEZINHA – Veste essa roupa aí.

CAMPÔNIO – Que roupa?

MÃEZINHA – Essa aí em cima da cadeira.

CAMPÔNIO – Essa?

MÃEZINHA – É

CAMPÔNIO – Agora?

MÃEZINHA – É. Pra esse quadro.

CAMPÔNIO – Que quadro?

MÃEZINHA – Esse quadro, menino, esse quadro que vem agora.

CAMPÔNIO – Isto daqui?!

CANASTRA – Tá reclamando o que? Tu nunca na tua vida botou tanta grana em cima do corpo. Nem na tua primeira comunhão... (Ri)

CAMPÔNIO – O que é isso?

CANASTRA – É um pastor. Mas um pastor de luxo, tá pensando o quê?

CAMPÔNIO – Eu não vou botar isso daí não.

MÃEZINHA – Vai sim.

CAMPÔNIO – Não vou. Não vou. (Gritando) Não ponho, já disse.

MÃEZINHA(Sem ligar pra gritos) Põe sim senhor que eu estou mandando e eu seu muito bem o que estou fazendo.

CAMPÔNIO(Joga a roupa no chão e se põe a sapatear em cima dela) Não ponho. Não ponho. Não ponho...

MÃEZINHA – Mas o que é isso, menino?

CANASTRA – Chi... Olha só o outro!

MÃEZINHA – Para com isso, Campônio.

CANASTRA – O que é que deu nele? Tá com faniquito?

MÃEZINHA(Forte) Pára com isso. (Empurra CAMPÔNIO e apanha a roupa do chão.)

CAMPÔNIO – Pára com isso a senhora, tá me ouvindo? Pára com isso a senhora porque eu não vou entrar naquele quadro de jeito nenhum.

MÃEZINHA – Mas o quê que é isso, menino, tá ficando maluco?

CANASTRA – Tá ficando?!... (e morre de rir).

MÃEZINHA – Agora que está dando tudo certo.

CAMPÔNIO(histérico) Eu não vou entrar naquele palco com aquela mulher!!!

MÃEZINHA – Mas que mulher? Mas que mulher, menino? Uma moça tão fina, tão educada, que estudou em colégio de freira...

CANASTRA – ...Sabe até comer com talher de peixe! (e ri).

CAMPÔNIO(quase chorando) Eu tenho vergonha.

MÃEZINHA – Vergonha de quê?!

CANASTRA – Vergonha é roubar e não poder carregar... (ri)

MÃEZINHA – Cala boca Ruy pelo amor de Deus! Será possível que tu não é nem capaz de perceber quando uma coisa é séria?

CAMPÔNIO – Eu tenho vergonha dela. Eu tenho vergonha do que a senhora quer fazer, pensa que eu não sei?

MÃEZINHA(irritada) Mas fazer o quê, menino?

CAMPÔNIO – A senhora ta querendo me jogar pra cima dela...

MÃEZINHA – Campônio.

CAMPÔNIO – A senhora pensa que eu não vejo, né? A senhora pensa que eu sou algum estúpido.

MÃEZINHA – Se tu não tem nada pra falar eu acho bom tu calar a boca e não ficar aí falando besteira.

CAMPÔNIO – Besteira não senhora, tá me entendendo? Besteira não senhora, que eu tô sabendo muito bem. Só que dessa vez a senhora tomou o bonde errado comigo porque eu não vou vestir isso daí e não vou entrar naquele quadro...

MÃEZINHA – Campônio.

CAMPÔNIO – ...e pra mim chega, tá me entendendo? Eu não quero ouvir mais nada. (E vai sair.)

MÃEZINHA(Segurando-o pelo braço) Pois agora tu vai me ouvir quer queira, quer não.

CAMPÔNIO(sendo conduzido) Não vou não... Não vou não...

MÃEZINHA – E se eu quisesse fazer isso que tu tá falando, que mal que tem? Heim?

CAMPÔNIO – Não vou...

MÃEZINHA – E se eu quisesse resolver a nossa situação de uma vez por todas...

CAMPÔNIO – Mas resolver comigo?

MÃEZINHA(furiosa) Contigo sim, que assim tu fazia alguma coisa que preste ao menos uma vez na vida.

CAMPÔNIO(gritando) Não.

MÃEZINHA – Que tu já tá quase com trinta anos e o que é que tu fez até hoje, heim? Me diga. O que é que tu fez por ti mesmo, até hoje?

CAMPÔNIO – Chega, mãe...

MÃEZINHA – Nada.

CANASTRA – Dá-lhe... (e ri)

MÃEZINHA – Nem ao mesmo arrumou uma mulher pra gostar, que era o mínimo que tu podia fazer.

CAMPÔNIO – Arrumei sim...

MÃEZINHA – Então agora, quando eu estou ajeitando as coisas pra gente sair da merda...

CANASTRA – Opa.

MÃEZINHA – ...tu vê se colabora um pouco que tu não tem nada a perder.

CANASTRA – Só o cabaço... (e ri)

CAMPÔNIO – Eu não quero aquela ricaça lá...

MÃEZINHA – Cala a boca Ruy.

CAMPÔNIO(histérico) Eu não piso nunca mais naquele palco.

CANASTRA(divertido) Mas não é verdade?

CAMPÔNIO – E é bom que a senhora saiba de uma vez por todas que eu vou m’imbora daqui. (Grita) Eu vou-me embora.

MÃEZINHA – Va’imbora pra onde, menino, deixa disso... (e se senta).

CAMPÔNIO – Vou ‘imbora pra sempre...

MÃEZINHA(tranqüila) Campônio.

CAMPÔNIO – Vou ganhar o MEU dinheiro, fazer a MINHA companhia e botar quem EU quiser pra estrelar.

MÃEZINHA(tranqüila) Campônio.

CAMPÔNIO – Porque eu já tô é cheio, tá me entendendo? CHEIO... (e sai)

MÃEZINHA(falando alto, mas tranqüila) Tu sabe muito bem o que acontece toda vez que tu vai embora pra sempre.

(Pausa longa. MÃEZINHA, na frente do espelho, se maquila calmamente. CANASTRA assobia a música do próximo quadro.)

(CAMPÔNIO volta.)

MÃEZINHA(Apanhando a roupa e estendendo-a, sem olhar pra ele) Vai se vestir.

(CAMPÔNIO apanha a roupa.)

(Pausa.)

CAMPÔNIO – Mãe.

MÃEZINHA – Que é?

CAMPÔNIO – A senhora vai mudar o número da apresentação, né?

MÃEZINHA – Não.

CAMPÔNIO – Muda vai, mãe.

MÃEZINHA(Se maquiando) EU SEI o que muda e o que não muda no espetáculo.

(Pausa)

CAMPÔNIO – Mãezinha...

MÃEZINHA – Hum.

CAMPÔNIO – Eu não tô me sentindo bem...

MÃEZINHA – Sei.

CAMPÔNIO – Eu acho que vai me dar aquilo outra vez.

MÃEZINHA(se maquiando) Te veste aí. Depois do próximo quadro a gente conversa.

(Tempo. MÃEZINHA se maquila. CANASTRA assobia. CAMPÔNIO chora.)

CAMPÔNIO – Eu odeio a senhora. Eu odeio a senhora. Mãezinha...

(MÚSICA do próximo quadro.)

7ª Fase – (Quadro musical) NO TEMPO ANTIGO

O CENÁRIO é bucólico. Ao fundo, o prado verdejante em curvas suaves sob um céu muito azul. Os rios têm o brilho do papel celofane. Em primeiro plano, as sombras de frandes chorões.

(CANCIONINA entra com um vestido que é um verdadeiro arabesco florido, de cor finamente combinada com tom-geral do cenário. Vem de chapéu de aba larga e traz uma cesta de flores na mão.)

CANCIONINA – Este aqui é o lugar
Que eu vi lá nos meus sonhos
Só falta agora chegar
O meu amor que é...

OVELHINHAS(Ao longe) Bé...

CANCIONINA – Nobre, forte, singular,
Arrebatado e risonho.
Ele existe e a esperar
Fico aqui com fé...

OVELHINHAS(mais perto) Bé, bé...

(Entra o PASTOR, com lindas OVELHINHAS de papelão)

PASTOR – Eu sou um pobre pastor

CANCIONINA – Eu rica sou,

AMBOS – Mas o amor
Supera a raça e a cor
Quando quer...

OVELHINHAS(em lindo coral)

Bé, bé, bé, bé,...

AMBOS – Olhemos só para a frente,
Vivamos aqui contentes.
O nosso amor para sempre
É...

OVELHINHAS – Bé...

AMBOS – Com fé...

OVELHINHAS – Bé, bé...

AMBOS – Quando se quer.

OVELHINHAS – Bé, bé, bé bé...

(E se colocam em posição de final de quadro e fecha a cortina.)

8ª Fase – (última interrupção e arremate) SOBRE OS COMENTÁRIOS NO FINAL

(Volta a abrir a cortina.)

(Entra MÃEZINHA acompanhada de Dona Virgínia.)

MÃEZINHA(Aplaudindo freneticamente) Maravilhosa. Maravilhosa... (para DONA VIRGÍNIA, autoritária) Você também não acha, meu amor?

DONA VIRGÍNIA – Nem me fale... (e começa a aplaudir também).

MÃEZINHA(Incentivando o público a aplaudir também) BRAVOS! BRAVOS! Vamos lá. Vamos reconhecer a nova estrela que surge no cenário nacional... (e aplaude – melhor se o público não aplaudir) Bravos! Bravíssimos! (Para CANCIONINA) Ma-ra-vi-lho-sa.

DONA VIRGÍNIA – Um desbunde, como se diz.

MÃEZINHA(Beijando-a) A melhor coisa que apareceu no teatro brasileiro nos últimos cinqüenta anos.

DONA VIRGÍNIA(Beijando-a) Benza Deus, Deus que conserve.

MÃEZINHA(Para fora, furiosa) BRILHANTINA! (Para CANCIONINA, risonha) Se não levar todos os prêmios de atriz-revelação deste ano é a maior injustiça, heim! Já vou logo dizendo: A maior injustiça.

DONA VIRGÍNIA – Ah isso não tem por onde.

(BRILHANTINA entrou correndo com uma corbelha de flores que depositou aos pés de CANCIONINA.)

MÃEZINHA(à parte) Dá uma flor pra ela, Campônio. (Para CANCIONINA) Você me desbancou, viu meu amor?

CAMPÔNIO – (à parte) Que flor? Eu não tenho flor nenhuma.

MÃEZINHA – (à parte) Pega da corbelha, infeliz. (para CANCIONINA) Eu sabia que tinha faro pra essas coisas, mas vou te dizer, viu? Por essa eu não esperava.

DONA VIRGÍNIA – Nem me fale.

MÃEZINHA – A melhor interpretação de ingênua que eu já vi na minha vida.

DONA VIRGÍNIA – Na minha vida.

MÃEZINHA – E olha que eu não vi poucas não, heim!

DONA VIRGÍNIA – Eu que o diga...

MÃEZINHA – Então.

DONA VIRGÍNIA – Eu até estava dizendo ali pro seu Ruy...

CANASTRA – Pra mim?

MÃEZINHA – O que foi, Campônio?

CAMPÔNIO – Heim?

MÃEZINHA – O que foi que você disse?

CAMPÔNIO – Eu? Eu não disse nada.

MÃEZINHA(furiosa) Disse sim. (Faz sinais)

CAMPÔNIO – Ah... (Pega desajeitadamente uma flor e estica pra CANCIONINA.)

CANCIONINA(pega a flor com ares de grande estrela.)

DONA VIRGÍNIA – Ai, eu fico até emocionada.

(TODOS aplaudem.)

MÃEZINHA – Ora, mas a gente fica aqui no papo fiado e não vai nunca ao principal, né?

DONA VIRGÍNIA – Ah, isso é verdade.

MÃEZINHA – E você, meu amor, o que diz?

CANCIONINA(não entende.)

MÃEZINHA(Cautelosa) O que você achou, né?

DONA VIRGÍNIA – É.

MÃEZINHA(Cautelosa) Do teatro...

DONA VIRGÍNIA(Solícita) De ser de teatro...

MÃEZINHA – Da vida de teatro...

(TODOS – menos CAMPÔNIO – fazem figa.)

CANCIONINA – (canta) Linda!
Estou muito contente.

COMPANHIA – Excelente!

CANCIONINA – Como personagem, sou
É eterna a minha vida
E neste cenário vou
Viver para sempre...

COMPANHIA – Querida
Vai ser da gente

TODOS – Pra sempre.

(E a cortina se fecha sobre o lindo quadro bucólico, com a DAMA ANTIGA, o PASTOR e as OVELHINHAS... e tudo)

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